domingo, 30 de outubro de 2011

O COMPORTAMENTO DE VOGAIS ALTAS/GLIDES /I/ E /U/ EM DUAS VARIEDADES: NA ESCRITA E FALA


Marcelo Moreira Marques
Curso de Pós-graduação em Linguística e Ensino de Línguas
Polo de Araçatuba, SP
Orientador(a) Profª Drª Marilda de Franco Moura

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo comparar o comportamento de vogais altas/glides /i/ e /u/ em duas variedades: na escrita e fala.  Propõe-se analisar alguns registros feitos por alunos do ensino fundamental, a partir dos dados de um corpus obtido de fala espontânea de alunos do ensino fundamental, médio e superior. A discussão teórica fundamenta-se, principalmente, em Bisol (2005), Cristófaro (2007), Câmara Jr. (1976) e Cagliari (1982).
Palavras-chaves: vogais tônicas; fonologia; linguística.

INTRODUÇÃO

A pesquisa descrita aqui tem como objetivo geral analisar o comportamento de vogais altas/glides /i/ e /u/ em duas variedades: na Escrita e na Fala.
O objetivo específico dessa pesquisa é apresentar todos os registros possíveis tanto na fala quanto na escrita. Gravou-se falas espontâneas com informantes (alunos de 6ª série do ensino fundamental) da rede particular e pública e, para colher o corpus da escrita, colheu-se redações desses mesmos informantes, fazendo uma análise do registro e oralidade, para verificar, então, as vogais altas/glides em seu comportamento e verificar o seu verdadeiro papel. Elencamos, abaixo, as questões de pesquisa investigada:
1-      Verificar a epêntese das vogais /i/ nas palavras nóis, vocêis, traiz, veiz, etc.
2-      Verificar a redução das vogais /u/ nas palavras oro (ouro), caxa (caixa), sapatero (sapateiro), manero (maneiro), otro (outro), etc.
O trabalho aqui proposto fundamenta-se na área de pesquisa baseada em corpus  que se preocupa com o registro da escrita e o da fala de algumas palavras que sofrem alterações epentéticas ou reduzidas.
A questão central desta área foi basear-se na amostragem dos comportamentos de tais vogais citadas no título desta pesquisa. Os trabalhos de Cagliari (2007) são relevantes, pois mostram certos tipos de itens lexicais que se caracterizam por terem formas diversas cuja variação é a alternância entre a pronúncia de um monotongo, de um ditongo ou de um tritongo. Por razões morfológicas, é interessante considerar alguns casos como ‘redução’ (por exemplo, ditongos que se tornam monotongos), e outros casos como ‘expansão’ (por exemplo, monotongos que se tornam ditongos). Ex: Forma básica: [kadeira],forma reduzida: [kadera] forma ortográfica: cadeira; forma básica: [koωro], forma reduzida: [korω], forma ortográfica: couro, forma básica: [pei∫i] forma reduzida: [pe∫i], forma ortográfica: peixe, forma básica: [froω∫ω], forma reduzida: [fro∫ω], forma ortográfica: frouxo, forma básica: [kai∫a], forma reduzida: [ka∫a], forma ortográfica: caixa.
            É correto dentro da perspectiva lingüística ditongar ou monotongar algumas dessas palavras citadas acima, na fala ou na escrita?
            Para que a estrutura silábica não viole o princípio de Licenciamento Prosódico, as línguas dispõem de dois mecanismos de ajustamento: a epêntese e o apagamento.(BISOL, 2005, p.115)
            Dentro de uma variação lingüística, deparamo-nos com esses dois mecanismos em nossa volta com determinadas palavras fazendo que a inserção e mesmo o apagamento (ou redução) se propaga em nosso meio.
Alguns exemplos podemos citar, pois existem estereótipos com epêntese: peneu, adevogado, pisicólogo, vocêis, nóis etc. também podemos citar alguns exemplos em que ocorram apagamento (ou redução): caxa, baxar, sapatero, manero, minero etc. (COLLISCHONN, 2003, P. 290).

Segundo CAGLIARI (1982, p.109), “A fala é um processo dinâmico com muitos parâmetros se alternando continuamente, fruto dos movimentos articulatórios”. O processo de fala além de ser dinâmico faz parte da variação de uma língua.

Entretanto, embora a variação não seja acessível ao falante, a escolaridade parece ter um papel como inibidora. “Acreditamos que consciência da forma escrita deve ter alguma influência sobre a variação”. (COLLISCHONN, 2003, P. 290)

            Propõe-se para análise investigar esse comportamento dessas vogais altas/glides em epêntese e a redução das semivogais /y/ e /w/,ou seja, monotongação.
Os dados a serem usados na pesquisa são os seguintes. Um corpus composto de palavras registradas com essas alterações tanto epentéticas, quanto reduzidas.
Este corpus foi considerado o corpus de estudo e está em fase de coleta. A coleta realizou-se da seguinte forma. Primeiramente, colher o maior número de redações de alunos do 6º ano, em que a frequência desses registros são maiores. Em segundo lugar, colher informações de informantes que na fala espontânea, esse fenômeno também ocorre com muita frequência.
Finalmente, a busca da fala foi gravada para mostrar essa variação citada no início deste projeto e os registros das redações foram mostrados de uma forma que possamos entender toda essa variação da língua, tanto na escrita quanto na fala.





  1. DITONGOS NA PERSPECTIVA LINGUÍSTICA

Cagliari (2007, p.66) “Define ditongo em dois modos, um com base na noção de silabicidade e outro com base na noção de movimento articulatório, associado a uma mudança da qualidade vocálica”.
Entende-se por ditongo o encontro de duas vogais, ou seja, o encontro de uma vogal mais uma semivogal ou semivogal mais vogal, classificando-se como ditongo decrescente e ditongo crescente respectivamente.
O ditongo não deve ser confundido com sequência de vogais, segundo Cagliari (2007, p.69) “Entre um ditongo e uma sequência de duas vogais é o fato de ocorrer uma fronteira silábica entre as duas vogais”.
O ditongo tem sua articulação mais específica e peculiar, já as duas vogais têm uma articulação uma após a outra.


Exemplos de algumas ocorrências:

Ocorrência de ditongos
Ocorrência de sequência de vogais
Vou [vow]
Voo    [vow]
Quando [kwãndw]
Coandu  [kwãndw]
Saudade [sawdadi]
Saúde    [saudi]


            Em alguns casos, por percepção da fala ou em situações da escrita, o ditongo possui alguns tipos de proeminências, ou seja, o espichamento da fala em algumas circunstâncias, exemplo: vocêis, nóis, arroiz, francêis etc, a isso, denominamos ditongação.
            Esse fenômeno é muito comum entre falantes, quando em uma situação de fala informal, não se tem uma preocupação na articulação da fala, quando essa fala for espontânea.
            Já no ponto de vista de Câmara Jr. (1969, p. 54), “Os verdadeiros ditongos em português são os decrescentes, os crescentes variam livremente com o hiato como: (su.ar/suar, su.a.dor/ sua.dor)”. Realmente, seguindo essa vertente, percebeu-se que, em alguns casos, os ditongos crescentes são considerados ‘falsos’, pois dentro de uma silabicidade podemos ter ditongo ou hiato. Exemplo: (co.lé.gio, co.lé.gi.o/ sé.rie, sé.ri.e etc).
            Para Bisol (1989, p. 121), “Igualmente não há ditongo crescente, os ditongos crescentes não fazem parte do inventário fonológico do português”, pois surge a fusão de rimas de duas sílabas diferentes como nos exemplos citados acima. No ponto de vista de Bisol (1989) “É preciso ser entendido esses dois fenômenos linguísticos através das rimas silábicas, ora ditongo, ora hiato, por isso não ocorre o ditongo crescente”.
            Já Silva Cristófaro (2007, p.95), “Entende que o ditongo se faz em decrescente e crescente, porque uma semivogal é um segmento com características fonéticas de uma vogal de não poder constituir uma sílaba independente”. Nesse sentido as vertentes de Bisol e Silva Cristófaro são contrárias, pois Bisol entende que só há ditongo descrescente pelo fato das rimas silábicas se formarem independentes e Cristófaro entende que há ditongos decrescentes e crescentes, pois uma semivogal tem a mesma característica de uma vogal, não podendo formar assim sílabas independentes.
            As semivogais (y) e (w) dependendo da ocasião, digamos que na maioria dos casos, na fala, ela ocorre mais livremente, sem a preocupação da articulação. Essas ocorrências se dão não apenas na classe menos favorecida, mas sim também na classe mais favorecida, quando se tratarem da fala, pois a fala é mais espontânea, livre de articulações.
            Em alguns casos da escrita, a classe menos favorecida prevalece mais nesse processo de comportamento dessas semivogais, pois entra a questão sociocultural.












  1. VARIAÇÕES DE REGISTRO – ORALIDADE E ESCRITA

Segundo MARCHUCHI (29007, P.25), “A oralidade seria uma prática social interativa para fins comunicativos que se apresenta sob variadas formas e gêneros textuais”. A oralidade se torna mais livre, mais espontânea, sem a preocupação das regras, pois a sociedade vive uma oralidade secundária.
MASSINI-CAGLIARI (2005, p. 28), “A fala e a escrita possuem as regras de realização distintas, mesmo sendo da mesma modalidade”. Aquilo que existe na fala é muito diferente da escrita, enquanto dizemos “O arroiz queimo”, escrevemos “O arroz queimou”. Nesse exemplo citado, temos uma ocorrência de ditongação e monotongação, algo comum na fala, na maioria dos casos, ora acrescenta uma semivogal ora reduz uma semivogal.
Para PRETI (2006, p.59), “Na fala, elaboração e produção coincidem no eixo temporal”. Essa coincidência se dá na evolução da língua (diacronia).
A fala é espontânea ao passo que a escrita é planejada. Segundo MARCUSCHI (2007, p. 46), “Fala e escrita são diferentes, mas as diferenças não são polares e sim graduais e contínuas”. A atividade da fala se transforma de acordo com que o rodeia, tais como: comunidade, região, etc.
Para MARCUSCHI (2007, p. 17), “Sob o ponto de vista mais central da realidade humana, seria possível definir como um ser que fala e não como um ser que escreve”. Contudo, não podemos levar em conta a fala como algo superior, porque tanto a escrita como a fala são práticas de suma importância para a língua, cada uma com suas próprias peculiaridades.
A fala tem sua peculiaridade acerca da prosódia e, sobretudo do gestual e movimento do corpo e dos olhos. Ao passo que a escrita também possui sua natureza própria como: tipo de letra, tamanho, cores, formatos e prosódia graficamente representados. A fala advém de contextos puramente informais, já a escrita advém de contextos formais adquiridos na escola; por isso, a escrita tem caráter mais precioso, mais cultural.
Para PRETI (2006, p. 67), “A fala é, por excelência, em sua realização ideal, como conversação espontânea face a face”. Trata-se do dia a dia do falante, a despreocupação gramatical e a aproximação simétrica dos efeitos e sentidos. E a escrita para PRETI (2006, P. 67), “É plena, não se produz a quatro mãos, mas a duas, não tem alternância entre os papéis de escritor e leitor”. Neste sentido a escrita é formal e assimétrica, distante e ao mesmo tempo próximo. Há uma preocupação maior com a escrita, pois é necessária uma decodificação do código para codificação do mesmo.


  1. ANÁLISE DA CONVERSAÇÃO


            Nos dados captados, podemos observar com clareza a elevação dessas vogais altas e também a redução das mesmas.
Na entrevista, foram selecionados seis informantes, sendo dois do ensino fundamental, dois do ensino médio e dois do ensino superior, todos em curso.
Vemos, então, aqui o trecho da entrevista, num bate papo informal. Usamos P: para o pesquisador; E1: para o entrevistado 1; e E2: para o entrevistado 2 do ensino fundamental; E3: para o entrevista 3; E4: para o entrevistado 4 do ensino médio e E5:
Para o entrevistado 5 e E6: para o entrevistado 6 do ensino superior. Na primeira entrevista foram entrevistados dois informantes do ensino fundamental de uma escola pública, moradores de uma comunidade de classe baixa na zona oeste de Araçatuba, os informantes têm a idade de 11 e 13 anos respectivamente.

P: Como é o dia a dia na vida de vocês aqui na comunidade?
E1: Ah! Nóis levanta cedo pra ir na iscola e a gente brinca quando chega da iscola.
E2: Também nóis ajuda nossos pais, joga bola solta pipa.
P: Vocês nasceram aqui na comunidade, vocês gostam daqui?
E1: Opa! Aqui é nossa vida, aqui todo mundo conhece todo mundo.
E2: Ali na esquina, tem um sapatero que é meu tio, ele é muito manero, o senhor conhece ele?
P: Não! Por que você diz que seu tio é muito maneiro?
E2: Ah! Porque ele é divertido, é brincalhão, zua todo mundo, é legal!
P: Então! O que vocês esperam do futuro?
E1: Eu quero istuda e fazê faculdade, quero sê adevogado.
E2: Ah! Eu num sei ainda o que eu quero não! Eu trabalho de pegá caxa de papelão na rua, sabe!

            Nesta próxima entrevista, foram entrevistados dois informantes do ensino médio também de uma escola pública da zona oeste de Araçatuba. Os dois informantes têm a idade de 16 e 17 anos respectivamente.
P: E vocês, me contam um pouco sobre a vida de vocês aqui na comunidade!
E3: Aqui é muito massa, a gente têm muita paiz tá ligado! Os mano aqui vive na serena paiz!
E4: Nóis istuda, dá pra acreditá!! Nóis num roba não, a gente fala assim, meio pá! Tá ligado! Mais é o nosso jeito aqui tá ligado! Por isso que a gente vive na paiz! Nóis fala errado, mais nóis não é bandido não senhô!.
P: Entendi o que vocês querem dizer, já que estudam como disseram, vocês pretendem fazer faculdade?
E3: Ah! Maluco, fazê faculdade acho meio difícil, mais quem sabe né!
E4: Se eu fazê faculdade, quero fazê Educação Física.
P: Nossa que legal! Você gosta de esporte então? Você pratica algum esporte?
E4: Eu jogo bola, mais só rachão... gosto de esporte sim, vocêis vê aí que dependendo do esporte num tem ajuda né senhô!. Intão fica difícil!

            Nesta próxima entrevista, entrevistamos dois informantes do Ensino Superior de uma Faculdade particular da zona sul de Araçatuba. Os dois com a idade de 22 e 24 anos respectivamente.

P: Vocês são acadêmicos, um do curso de Administração e outro do curso de Ciências Contábeis, gostaria de saber um pouco da rotina de vocês?
E5: Eu levanto cedo para trabalhar, trabalho numa oficina mecânica, moro na zona norte e um duro danado pra fazê a facul.
E6: Eu moro longe também, ralo muito pra me mantê na facul, meus pais me dão uma força, se não fica difícil, trabalho num escritório, mais ganho poco, quero melhorar de vida.
E5: Nos fins de semana, gosto de corrê, jogá bola e ir pras balada, (risos)
E6: Eu num fico atrais não, vocêis sabe como são essas coisas né!
P: Pela idade de vocês, parece-me que estão um pouco atrasados nos estudos não é?
E5: Rapaiz! Nem fala nisso (risos) to correno atrais do prejuízo, voltei agora porque não tinha condições antes, embora eu to lutano muito entende?
E6: Nossa! (risos) é verdade, eu também digo o mesmo.

            Nessa conversa informal, percebeu-se uma grande variedade de algumas palavras, mas o trabalho consistiu-se em apenas analisar o comportamento das vogais altas/glides /i/ e /u/ que por sua vez, foi percebido um número grande de vogais epentéticas nessas ocorrências e, também a redução da vogal /i/ e /u/ como sapateiro, maneiro, roubar, caixa.


Considerações finais

            Pôde-se observar nesta pesquisa o registro de algumas palavras na escrita, a  expectativa, devido ao tempo de escolarização desses informantes, seria um maior número de acertos quanto a fala, mas o que pôde-se observar é que os erros não eram esperados, pois ocorreu informações que esses informantes eram letrados, apesar dos “erros”.
            Entende-se, então, que o comportamento das semivogais altas glides /i/ e /u/ tanto na ‘ditongação’ e ‘monotongação’ e, sobretudo na fala, é considerado normal em algumas regiões, comunidades e nível social.












Referências bibliográficas

BISOL, L. Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. Rio Grande do Sul: Edipucrs, 2005 4ª Ed.
MATTOSO, Câmara Jr. Estrutura da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Vozes, 1976 7ª Ed.
CRISTÓFARO, Thaïs Silva. Fonética e fonologia do português. São Paulo: Contexto, 2007 9ª Ed.
CAGLIARI, L.C. Elementos de fonética do português brasileiro. São Paulo: Paulistana, 2007 Tese (Livre-Docência).Universidade de Campinas, Campinas, 1982.
PRETI, Dino.  (Org.) Fala e Escrita em questão. São Paulo: Associação Editorial H, umanitas, 2006 3ª Ed.
MARCUSCHI, L.A. Da Fala para a Escrita. São Paulo: Cortez, 2007 8ª Ed.
MASSINI-CAGLIARI, G. O Texto na Alfabetização: São Paulo: Mercado de Letras, 2005 1ª Ed.